Teatro Nostálgico





Me pego num pensamento antigo.
Acordo e durmo numa nostalgia constante que enfumaça todos os pensamentos...
Deito um instante no sofá rasgado por traças e recordo a sala cheia, tomada por parentes brindando em taças a virada do ano. Pessoas que não existem mais cheias de palavras na boca e sorriso no rosto... “sensação esquisita”.
Ando pelo corredor numa intuição barata de lembrar-me de mais coisas e ali está no quarto sobre a cama do meu irmão, o meu bisavô com sua viola caipira e suas músicas raízes que nunca apreciei. Um olhar atencioso à família que ele se deixou esquecer quarenta anos atrás e agora tentava se reaproximar..., morreu dois meses depois disso.
Volto para o computador, escrevo e penso enquanto ouço musicas de 2004 que me fazem entrar naquele sentimento vicioso que soa como aquela famosa frase desprezível: “Eu era feliz e não sabia”.
Só nesse momento cai a consciência como um soco no peito e me caracterizo naquela classe ridícula de pessoas que entram num ninho vicioso de sofrimento e dor, e transforma tudo aquilo num drama supersaturado de verdades forçadas.
Nem dói tanto assim.

A maior parte do “todo mundo” vive e adora aquela agonia desesperadora do terror que a realidade proporciona apenas pra poder amar mais o passado. Ainda existem aqueles que resumem como: fraqueza, incapacidade, impotência, mas no fim a grande maioria é movida por gosto.
Nostalgia não é sentir pena de si mesmo por reconhecer a beleza do passado tarde demais e nem fonte de escape pra realidade. Auto-piedade não ressuscita ego, acorda caráter ou resolve problemas, essa fumaça é venenosa e cega.
Ninguém é pior ou melhor que ninguém (mentira). Mas sempre vai haver uma suculenta opção acomodada de dor e sofrimento teatral pedindo pra ajudar a sanar essa carência.
Se o problema é real, melhor deixar o teatro pros atores. Eles sofrem, choram e são ajudados de mentira. Na vida as pessoas e os sentimentos são reais.

Beleza




É a farra de sangue presa na mão santa do homem.
É o favo da morte na ambigüidade da palavra e contra qualquer ordem justa.
É o cemitério de rostos ocultos presos na ilusão da vida.
São fatos fartos, narrados por bocas vazias que já se encheram de sangue só por tentar matar a sede de justiça.
É a brigada dos vivos na terra dos mortos, é a sanidade incompetente dos perversos e é a dor; é o conforto.
A sede de “terra nova” só confronta por raça e vontade num ninho de certeza absoluta de derrota.
Preso na luta inútil dos fracos, no doce gosto da guerra que sempre ironiza o poder num sentimento inexplicável de prazer, o amor perece.
Deitada numa futilidade inconveniente que despreza o próprio nome, satiriza a própria existência e fere a fé.
Ninguém notará a rosa se houver sangue a não ser que a rosa sangre.

Quem é você?



 




Como sabe tanto sobre mim?
Como sabe que sou santo em palavras e torto em pensamentos? Quem lhe disse?
Quem lhe contou sobre aqueles erros ou sobre o que fiz na semana passada.
Não lhe deixei cartas naqueles dias e nunca te disse palavras de amor.
Não sonhei com você por semanas a fio esperando um contato ou uma atenção enquanto você se importava mais com seus afazeres e nem fui eu o homem que aguardou um pedaço do seu coração naquelas noites frias em que você preferiu simplesmente ficar em casa...
Eu não conheço você.
Eu não conheço ninguém que me ame assim como diz, com tantas palavras bonitas e tanto sentimento a ser doado, com tanto carinho, tanta paixão visível que chega a encarecer a alma do mais duro ser.
Não conheço ninguém que tenha me dito subliminarmente em todas as frases que sou o melhor homem do mundo, que sou tudo o que tem; que quer ficar comigo acima de tudo e que é grata pelo meu amor.
Nunca vi ninguém com essas características.
Não conheço alguém que preze a característica “romântico” em um homem e me ame ao mesmo tempo.
Não conheço ninguém que me valorize tanto quanto diz. Que entenda tanto das coisas que faço e gosto, que participe da tanto minha vida e me apóia tanto assim..., essa pessoa não existe;
Você deve estar enganada, você não me conhece.
Não tente insistir que sou esse homem porque esse homem deve ser feliz tendo alguém assim ao lado dele: que o ama, o respeita, tem por ele paixão, carinho, atenção e dedicação assim como diz que tem por mim.
Não sou quem você procura hoje, embora já eu tenha conhecido alguém como você. Ela me amava, respeitava, me dava carinho, atenção e dedicação, mas ela mudou e um dia me procurou dizendo que era a mesma, mas o que ela não sabia...

era que eu também tinha mudado.

O Inferno








Mil desculpas aos que esperam aqui mais um texto reflexivo ou filosófico. Há um bom tempo não escrevo por falta de tempo e inspiração mesmo, porém..., hoje fui numa balada.

Há cerca de uma semana já tinha me decidido a ir de fato nesse evento social tão aclamado pelo público jovem. Não estava nem um pouco confortável com a idéia devido ao meu grande azar em festas de qualquer gênero.
O dia chegou e apesar da falta de dinheiro, a tensão, mal estar, frio congelante e a grande probabilidade de brigar com a minha namorada, eu fui.
Chegando de carro ao local do evento já se era possível notar uma movimentação extremamente alvoroçada mesmo sem ter visão em si do estabelecimento. Alguns metros além e ao contornar aquela divina esquina, lá estava: “A visão do Inferno”.
Eram aproximadamente quinhentas pessoas num emaranhado humano tão impossível de se descrever quanto de se observar. Um som forte com pancadas vindas direto do inferno abraçavam a cena num louvor de futilidade imensurável.
Pessoas dançavam, pulavam e faziam passos esquisitos enquanto eram observadas por outros que apreciavam cada gesto como se fossem ‘os pagãos’ e os dançarinos ‘os Deuses’.
Outros lutavam pra conquistar uma boca disposta a emprestar a língua pra que pudesse ser gozada numa troca fútil e descarada de prazer sem compromisso. A dificuldade definitivamente era algo da imaginação, a competição no ringue da futilidade era de quantidade onde o caráter e o ego eram medidos pela quantidade de pessoas que se conseguia beijar.
Uma fila com dois metros de largura e vinte de comprimento se espremia por uma rampa em ziguezague comportando os baladeiros. As conversas que se podia escutar eram dos mais incríveis e variados assuntos.
Regado a um belo “esmaga - esmaga”, fumaça de cigarro e outros odores desagradáveis podia-se escutar os grandes planos e comentários sobre o evento que ocorria no estabelecimento:

“hoje eu vou pegar umas onze, porque onze é o meu numero de sorte”
“quero passar a mão em pelo menos três calcinhas hoje”
“olha aquela loira gostosa, ela é da minha escola, mas não é gostosa lá, vou pegar ela hoje”
“quero levar uma gostosa pra casa hoje”

A única indagação mental minha naquele momento era a seguinte: “onde deixei minha inteligência?” Foi um momento onde o grosso da palavra descrevia: “Pagar pra se Foder”, e eu estava ali fazendo valer cada letra.
Em quarenta e cinco minutos me movimentei por quase oito metros (o que pode ser considerado grandioso).
O tempo continuou a passar e uma estranha sensação já conhecida de mal estar começou a me tomar num gole que se dividia em fúria e desespero. Fúria que me faria matar a todos ali e o desespero que mataria a mim, mas um fio de sobriedade ainda restava em mim e com a maior força que se era possível ter eu apertei cada sentimento hostil. O que me dava um mal presságio sobre meu bem estar que estava se esvaindo mais e mais a cada segundo que se passava.
O êxtase se deu quando não pude mais mover um único músculo sequer, só haviam vozes, risos, batidas fortes, gritos e o único lugar para o qual eu podia olhar que me trazia alguma paz era o negro do céu sem estrelas da noite. Eu cheguei ao extremo.
Deus nunca me pareceu ser um cara muito chegado em baladas, mas por alguma intervenção divina ou algum acaso do demônio, minha namorada e nossa amiga decidiram que estava lotado demais e a noite dificilmente seria boa.
Mesmo já tendo ultrapassado meus limites psicológicos e físicos, ainda relutei por ficar e manter minha palavra de acompanhar-la numa noite na balada, mas elas insistiram por duas ou três vezes o que fez a mim e ao namorado da sua amiga desistirem imediatamente da luta pela entrada.
É difícil descrever qualquer sentimento ou pensamento que tenha se passado pela minha cabeça nessa noite sem citar a palavra inferno.
As pessoas passam a vida toda pensando se vão para o céu ou o inferno quando morrerem, mas mal sabem elas que ao menos para o inferno pode-se ir nos finais de semanas por bagatelas que variam de quinze a trezentos reais.

“da próxima vez não haverá desculpas, terei de entrar”