Inocência Zero





“você é menino ou menina?” Disse a pequena garotinha intrigada no ônibus ao ver o cabelo amarrado.
“sou menino” Respondi atentamente no pensamento de que aquela havia sido uma das perguntas mais inocentes que já me fizeram.

É triste rever conceitos antigos condizentes com o que consideramos correto e comparar com a verdade. Este não é mais um mundo de crianças.
Aquela garota provavelmente terá um conceito bem desenvolvido sobre sexualidade, por exemplo, dentro de dois ou três anos.
No que transformamos a inocência?
A doentia vontade de viver a infância de cada vez mais pessoas se explica quando você para e analisa o fato de adquirirmos consciência adulta realmente muito cedo.
As coisas não acontecem apenas por ordem natural ou influencias exteriores, a própria curiosidade humana completa a equação. Embora não seja a grande culpada.
É mais ou menos o que acontece ao se pegar uma nascente de rio e canalizá-la direto para o mar. Tanto o rio quanto o percurso que ele percorreria naturalmente perdem beneficio com isso, é como se tudo fosse feito com a aplicação da filosofia: “direto ao ponto”.
O mundo adota maleficamente o uso da bomba de informações quando o assunto associa conhecimento excessivo e infância. Todos costumam achar que devemos ensinar sobre sexo para crianças pra que todas se preparem para o Mundo.
Por que pensamos e fazemos isso? Porque é fácil.
Mudar o mundo pra que possam desfrutar da sua inocência sem problemas é muito complicado e o ser humano não tem o costume de aceitar grandes desafios. Todos têm uma segunda opinião ou opção quando algo se mostra difícil demais.
Isso tudo só resulta numa quantidade crescente de crianças de oito e dez anos que se preocupam mais com política, violência, drogas e sexo do que propriamente o fato de ser criança.
Informações demais nos momentos errados da vida tiram uma liberdade demasiadamente preciosa e única. São as águas passadas do amanhã que elas estão perdendo de uma forma irrecuperável, existem coisas que só servem pra ser vividas em determinada época.
Existe muita gente que consegue ser criança mesmo quando adulto e viver numa eterna brincadeira, mas ninguém tem segunda chance pra viver uma inocência.

Bom te Ver




No gargalo do desespero e dos desejos enfim te encontro.
Numa doçura promiscua tomo teus lábios em puro veneno e superficialidade. Desejo-te mais que tudo.
O jogo de braços e mãos espertas me tira o senso do vulgar e impregna o doce forte do teu cheiro nas minhas roupas. Roupas que querem logo saltar e desertar o corpo que queima como lava.
Em meio a sussurros e caricias nervosas que não me deixam abrir os olhos sinto-lhe a boca nos ouvidos. Carne sensível que perfuras com a língua e o ar quente dos pulmões..., você me conhece bem..., sua...
Arranca-me um aperto nas roupas e um som de prazer na sua brincadeira, agora já sabe que sou quase seu.
O coração mistura tudo numa forte adrenalina que corre tão ardentemente nas veias a ponto de se sentir. Cada membro do corpo reage de uma forma de tal maneira a fazer-me notar que não tenho controle de mais nada.
Num movimento sutil entre o rápido e o maldoso me crava as unhas nos ombros. Só consigo expressar minha suplica num ardente beijo que corre enquanto desliza tuas mãos pelo meu corpo.
O fogo da pele já não suporta mais os panos. Suas mãos vêem como lagartos pegajosos e tiram-me lentamente a camisa enquanto desabotôo o ultimo dos quatro botões da sua blusa.
A repulsão dos panos logo dá lugar ao desejo incontrolável de manter em contato o quente das nossas peles.
Quente que aconchega;
que dá prazer;
que excita;
e que faz o maldito favor de me acordar num infernal calor de quarenta graus em plenas sete horas de domingo.

Amor impuro sem sentido que me aquece num fogo mortal de desejo. Bom te ver.

Teatro Nostálgico





Me pego num pensamento antigo.
Acordo e durmo numa nostalgia constante que enfumaça todos os pensamentos...
Deito um instante no sofá rasgado por traças e recordo a sala cheia, tomada por parentes brindando em taças a virada do ano. Pessoas que não existem mais cheias de palavras na boca e sorriso no rosto... “sensação esquisita”.
Ando pelo corredor numa intuição barata de lembrar-me de mais coisas e ali está no quarto sobre a cama do meu irmão, o meu bisavô com sua viola caipira e suas músicas raízes que nunca apreciei. Um olhar atencioso à família que ele se deixou esquecer quarenta anos atrás e agora tentava se reaproximar..., morreu dois meses depois disso.
Volto para o computador, escrevo e penso enquanto ouço musicas de 2004 que me fazem entrar naquele sentimento vicioso que soa como aquela famosa frase desprezível: “Eu era feliz e não sabia”.
Só nesse momento cai a consciência como um soco no peito e me caracterizo naquela classe ridícula de pessoas que entram num ninho vicioso de sofrimento e dor, e transforma tudo aquilo num drama supersaturado de verdades forçadas.
Nem dói tanto assim.

A maior parte do “todo mundo” vive e adora aquela agonia desesperadora do terror que a realidade proporciona apenas pra poder amar mais o passado. Ainda existem aqueles que resumem como: fraqueza, incapacidade, impotência, mas no fim a grande maioria é movida por gosto.
Nostalgia não é sentir pena de si mesmo por reconhecer a beleza do passado tarde demais e nem fonte de escape pra realidade. Auto-piedade não ressuscita ego, acorda caráter ou resolve problemas, essa fumaça é venenosa e cega.
Ninguém é pior ou melhor que ninguém (mentira). Mas sempre vai haver uma suculenta opção acomodada de dor e sofrimento teatral pedindo pra ajudar a sanar essa carência.
Se o problema é real, melhor deixar o teatro pros atores. Eles sofrem, choram e são ajudados de mentira. Na vida as pessoas e os sentimentos são reais.

Beleza




É a farra de sangue presa na mão santa do homem.
É o favo da morte na ambigüidade da palavra e contra qualquer ordem justa.
É o cemitério de rostos ocultos presos na ilusão da vida.
São fatos fartos, narrados por bocas vazias que já se encheram de sangue só por tentar matar a sede de justiça.
É a brigada dos vivos na terra dos mortos, é a sanidade incompetente dos perversos e é a dor; é o conforto.
A sede de “terra nova” só confronta por raça e vontade num ninho de certeza absoluta de derrota.
Preso na luta inútil dos fracos, no doce gosto da guerra que sempre ironiza o poder num sentimento inexplicável de prazer, o amor perece.
Deitada numa futilidade inconveniente que despreza o próprio nome, satiriza a própria existência e fere a fé.
Ninguém notará a rosa se houver sangue a não ser que a rosa sangre.

Quem é você?



 




Como sabe tanto sobre mim?
Como sabe que sou santo em palavras e torto em pensamentos? Quem lhe disse?
Quem lhe contou sobre aqueles erros ou sobre o que fiz na semana passada.
Não lhe deixei cartas naqueles dias e nunca te disse palavras de amor.
Não sonhei com você por semanas a fio esperando um contato ou uma atenção enquanto você se importava mais com seus afazeres e nem fui eu o homem que aguardou um pedaço do seu coração naquelas noites frias em que você preferiu simplesmente ficar em casa...
Eu não conheço você.
Eu não conheço ninguém que me ame assim como diz, com tantas palavras bonitas e tanto sentimento a ser doado, com tanto carinho, tanta paixão visível que chega a encarecer a alma do mais duro ser.
Não conheço ninguém que tenha me dito subliminarmente em todas as frases que sou o melhor homem do mundo, que sou tudo o que tem; que quer ficar comigo acima de tudo e que é grata pelo meu amor.
Nunca vi ninguém com essas características.
Não conheço alguém que preze a característica “romântico” em um homem e me ame ao mesmo tempo.
Não conheço ninguém que me valorize tanto quanto diz. Que entenda tanto das coisas que faço e gosto, que participe da tanto minha vida e me apóia tanto assim..., essa pessoa não existe;
Você deve estar enganada, você não me conhece.
Não tente insistir que sou esse homem porque esse homem deve ser feliz tendo alguém assim ao lado dele: que o ama, o respeita, tem por ele paixão, carinho, atenção e dedicação assim como diz que tem por mim.
Não sou quem você procura hoje, embora já eu tenha conhecido alguém como você. Ela me amava, respeitava, me dava carinho, atenção e dedicação, mas ela mudou e um dia me procurou dizendo que era a mesma, mas o que ela não sabia...

era que eu também tinha mudado.

O Inferno








Mil desculpas aos que esperam aqui mais um texto reflexivo ou filosófico. Há um bom tempo não escrevo por falta de tempo e inspiração mesmo, porém..., hoje fui numa balada.

Há cerca de uma semana já tinha me decidido a ir de fato nesse evento social tão aclamado pelo público jovem. Não estava nem um pouco confortável com a idéia devido ao meu grande azar em festas de qualquer gênero.
O dia chegou e apesar da falta de dinheiro, a tensão, mal estar, frio congelante e a grande probabilidade de brigar com a minha namorada, eu fui.
Chegando de carro ao local do evento já se era possível notar uma movimentação extremamente alvoroçada mesmo sem ter visão em si do estabelecimento. Alguns metros além e ao contornar aquela divina esquina, lá estava: “A visão do Inferno”.
Eram aproximadamente quinhentas pessoas num emaranhado humano tão impossível de se descrever quanto de se observar. Um som forte com pancadas vindas direto do inferno abraçavam a cena num louvor de futilidade imensurável.
Pessoas dançavam, pulavam e faziam passos esquisitos enquanto eram observadas por outros que apreciavam cada gesto como se fossem ‘os pagãos’ e os dançarinos ‘os Deuses’.
Outros lutavam pra conquistar uma boca disposta a emprestar a língua pra que pudesse ser gozada numa troca fútil e descarada de prazer sem compromisso. A dificuldade definitivamente era algo da imaginação, a competição no ringue da futilidade era de quantidade onde o caráter e o ego eram medidos pela quantidade de pessoas que se conseguia beijar.
Uma fila com dois metros de largura e vinte de comprimento se espremia por uma rampa em ziguezague comportando os baladeiros. As conversas que se podia escutar eram dos mais incríveis e variados assuntos.
Regado a um belo “esmaga - esmaga”, fumaça de cigarro e outros odores desagradáveis podia-se escutar os grandes planos e comentários sobre o evento que ocorria no estabelecimento:

“hoje eu vou pegar umas onze, porque onze é o meu numero de sorte”
“quero passar a mão em pelo menos três calcinhas hoje”
“olha aquela loira gostosa, ela é da minha escola, mas não é gostosa lá, vou pegar ela hoje”
“quero levar uma gostosa pra casa hoje”

A única indagação mental minha naquele momento era a seguinte: “onde deixei minha inteligência?” Foi um momento onde o grosso da palavra descrevia: “Pagar pra se Foder”, e eu estava ali fazendo valer cada letra.
Em quarenta e cinco minutos me movimentei por quase oito metros (o que pode ser considerado grandioso).
O tempo continuou a passar e uma estranha sensação já conhecida de mal estar começou a me tomar num gole que se dividia em fúria e desespero. Fúria que me faria matar a todos ali e o desespero que mataria a mim, mas um fio de sobriedade ainda restava em mim e com a maior força que se era possível ter eu apertei cada sentimento hostil. O que me dava um mal presságio sobre meu bem estar que estava se esvaindo mais e mais a cada segundo que se passava.
O êxtase se deu quando não pude mais mover um único músculo sequer, só haviam vozes, risos, batidas fortes, gritos e o único lugar para o qual eu podia olhar que me trazia alguma paz era o negro do céu sem estrelas da noite. Eu cheguei ao extremo.
Deus nunca me pareceu ser um cara muito chegado em baladas, mas por alguma intervenção divina ou algum acaso do demônio, minha namorada e nossa amiga decidiram que estava lotado demais e a noite dificilmente seria boa.
Mesmo já tendo ultrapassado meus limites psicológicos e físicos, ainda relutei por ficar e manter minha palavra de acompanhar-la numa noite na balada, mas elas insistiram por duas ou três vezes o que fez a mim e ao namorado da sua amiga desistirem imediatamente da luta pela entrada.
É difícil descrever qualquer sentimento ou pensamento que tenha se passado pela minha cabeça nessa noite sem citar a palavra inferno.
As pessoas passam a vida toda pensando se vão para o céu ou o inferno quando morrerem, mas mal sabem elas que ao menos para o inferno pode-se ir nos finais de semanas por bagatelas que variam de quinze a trezentos reais.

“da próxima vez não haverá desculpas, terei de entrar”

Fim







E quando parece já não haver forças, uma velha e fraca angustia grita do fundo da alma.
Um último apego de agonia e falta de ar se mostra disposta a expressar por mais um segundo toda a raiva que se sente.
Sempre houve um pouco mais de cada um dentro de um lugar secreto no peito
É fácil dizer que não é real quando já não se esta mais no chão.
É fácil dizer que acabou quando ainda se esta perto.
É simples compreender toda complexidade de algo perfeito quando se vive isso.
Mas o tempo passa e a distancia surge num vácuo de tempo que jamais se espera surgir ou se descobre o inicio.
É uma montanha de sentimentos confusos que tremulam o mais profundo dos sentimentos humanos numa fila de fatos que nunca fazem sentido.
É como perder o foco e o reflexo num pausar da vida e ainda assim continuar respirando.
Imaginar todo um ex-futuro como simples e absoluta mistura de erros sem volta que fizemos em todos os últimos segundos, focar em tudo isso como o mais sóbrio dos pensamentos infantis que se pode ter.
Quando você nota a depressão, sua alma já não tem apego suficiente pra obedecer a simples ordens de auto preservação.
Os sopros de consciência voam como uma brisa de arrependimento e culpa por todo o espaço ao redor e um último soar de sobriedade se apaga em meio à ausência total de luz e vida.


A única vontade é que esta se torne uma noite eterna...

Pacote de Lembranças




Seria a mais bela manhã...
Podia sentir seu cheiro na fronha do travesseiro antes mesmo de abrir os olhos, podia sentir o calor das cobertas dando-me um aconchego único...
Era um momento sóbrio de absoluta felicidade, um momento nítido de amor; era o maior prazer da Terra.
Na minha mente ainda via seus olhos junto aos meus num sentimento duradouro e incansável, sentia o peso de uma das suas mãos acariciando meu rosto enquanto a outra tocava com a ponta dos dedos os meus cabelos.
Ainda podia sentir o macio da pele da sua cintura em minhas mãos e ver um pouco abaixo de sua orelha uma pequena pinta encoberta por alguns fios de cabelo embaraçados.
Lembro-me docemente do gosto dos seus lábios.
Ainda deitado consigo escutar o som da sua voz dizendo que voltaria logo...
Agora você é apenas um pacote de lembranças...

Dor




A dor é um prazer tão promiscuo.
Sempre vem após um banho de sorrisos e abraços, vem após o ápice de qualquer momento feliz. Vem após a vontade absoluta de viver.
É um momento extremamente sóbrio e realista da vida que se aprende alguma coisa nova..., ou revive uma antiga lição. É um momento de paz profunda e consciência absoluta de realidade.
É o exato momento em que deixamos de pensar no futuro pra analisar profundamente passado e presente numa linha vermelha e tênue.
É o momento em que a raiva já se foi, as lagrimas já escorreram por completo deixando apenas uma caldeira grande e fervente de magoa e tristeza.

‘é o que se sente no dia seguinte’

A mente é fissurada e nem o mais trágico fato do mundo importa. A alma é apreendida na garganta ressecada e o peito espuma numa pressão estranha tão forte que estufa seus olhos pra fora os fazendo brilhar da forma mais morta possível.
A cabeça fica cheia de pensamentos pesados e torturantes que arrancam cada vez mais pedaços de raízes profundas das entranhas da memória e proporcionam cada vez mais agonia e tristeza.
A dor questiona tudo: justiça, verdade, mentira, momento, felicidade, carinho, amor...
Tudo na dor é injusto.
Tudo na dor é mentira.
Tudo na dor é invenção.
Tudo na dor é tristeza.
Tudo na dor é dor.
Tudo dói.

Cafajeste





No fim ela escolheu ficar ali... Optou por sofrer e deixar de lado tudo que valia realmente a pena por algum motivo idiota.
Deixou tudo e a todos pra viver uma insanidade sem futuro que hora ou outra a deixaria na amargura absoluta. Ela comprometeu-se a suportar.
Seus olhos ainda brilhavam em meio a uma desaprovação assombrosa de todos e seu sorriso iluminava de felicidade duas quadras daquela viela suja e sem saída.
Seu corpo estremecia só pensar que finalmente conciliara seu sonho com a realidade e seu pensamento voava longe num futuro inexistente de família, filhos e felicidade eterna.
Seu coração bombeava o sangue com tanta força que quase podia ouvir-lo esgueirar-se pelas artérias..., era o momento da sua vida.
Estava cega e cintilante num terremoto de emoções que a tomava de uma forma tão incrível quanto assustadora...
Ela estava apaixonada..., coitada...


Talvez amanhã eu me arrependa de usá-la.

Pessoas e Seres Humanos






As vezes quando estamos a sós, paramos e pensamos nos possíveis motivos para tudo o que já fizemos mesmo que esse tudo já os tenha; há vezes em que paramos e pensamos em motivos para coisas que ainda iremos fazer..., coisas que sempre ficam pra depois, talvez por esquecimento..., talvez por medo.
Quase sempre o que fica pra depois é o que realmente importa e é isso o que realmente torna o ser humano apenas uma pessoa.
Os motivos que buscamos para sair dos caminhos que nos foram postos estão sempre a vista daqueles que quiserem ver, basta procurar na simplicidade a semelhança entre você e teu próximo.
Não há um porque lógico para se ter uma vida planejada, mesmo porque a criação deste a tira o titulo de vida.
Viver é ser livre para fazer suas escolhas deixando-as falar por si, estando elas certas ou erradas.
Nascemos todos com poucas opções, destinados a ser pessoas por força maior e colocando assim um ponto final a humanidade.
O mundo girou nos últimos séculos e com ele o tempo passou..., os seres humanos estão dando lugar as pessoas e a vida está tornando-se apenas rotina. A vontade já não prevalece como antes pois agora há regras que definem o certo e o errado..., não podemos mais errar.
Há um caminho muito rígido em nossa frente e precisamos muda-lo, há e sempre houve uma segunda opção mas ainda preferimos o que todos os outros preferem, a igualdade.
Entretanto, uma única coisa dentre tudo isso, por mais que o mundo pregue jamais fomos e jamais seremos iguais, somos todos nada mais que semelhantes.

Consequência



Que tolice seria tentar encontrar uma divindade no próprio reflexo.
Ainda que pudesse classificar uma alma como boa ou ruim dentro de meros padrões humanos... mas sequer é possível unir alma e humanidade num mesmo termo onde ambos consideramos ilusões.
Maldita seja a existência desfocada...
A que se oportuna a influência da brisa alheia e dos olhares...,
Maldito seja o que oportuna-se a perder... propositalmente.
Somos todos fatos ambulantes perdidos em busca de interpretação.
Nossas mentes são nossas conseqüências e nossa maldição é sofrer por elas.
Há sorrisos que nos abatem, há toques que nos machucam e há o beijo que fere profundamente com o mais doce carinho... há a dor provocada pela própria perdição...
Há conseqüências com conseqüências e há feitos sem glória... e há a morbidez... meros cães sem raça e mente, seres ocultos que nem por isso valem seu ar.
Há a vontade inútil de lutar, mas há a reação do impossível agindo sobre tudo..., há a reação da imperfeição...
Pensar, agir, respirar... tornar-se presença no espaço... a conseqüência do oposto ao nulo sempre gera conseqüência cada esta gera uma ação e assim... eternamente.
A realidade é a cadeia devastadora das conseqüências. Pensar não muda sua influencia sobre isso ou a influencia disso sobre você..., pensar não muda nada além de uma próxima conseqüência...
Basta viver a própria tolice quando não se espera nada alem do tempo... seja mais um inútil sorrindo ou seja você.

Sono




Talvez eu tenha acordado com os sentidos falhando...
Sinto o calor tomando conta dos meus membros numa estranha sensação de que já é tarde demais.
O sono ainda me domina segurando meus braços e pernas de maneira a frustrar qualquer tentativa de movimento..., minha cabeça dói.
A vista embaçada, o gosto de saliva velha na boca..., o lençol aos pés.
Sinto que já é tarde demais
Os carros na rua me dizem que já é tarde demais...
Uma bicicleta ao longe anuncia o jornaleiro, dois segundos se passam e o rotineiro som de um bolo de papel lançado com certa agressividade na porta me faz lembrar que o próximo jornal seria sábado, mas hoje ainda é sexta..., ou não?
A filha da vizinha definitivamente grita demais pra uma criança de seis anos prestes a ir pra escola..., ainda não escuto o escapamento estourado..., o carro não esta ligado..., mesmo assim deve ser bem tarde.
Eu olho pro teto, eu não vejo nada..., ‘eu preciso dos meus óculos...’
Esfrego uma perna sobre a outra, dou de ombros lentamente..., bocejo..., bocejo novamente. Tenho que levantar.
Sento-me na cama com dificuldade, me apóio sobre os braços de forma a tocar o rosto na cortina..., está um sol infernal lá fora..., definitivamente sim, é bem tarde.
Fico de pé relutantemente. Há uma sensação constante de altura excessiva e desequilíbrio.

'preciso dos meus óculos'

Apóio-me nas paredes do quarto especialmente apertado e ando decididamente pra onde devem estar meus óculos..., que dia foi ontem, mesmo?
Meu corpo dói, minha mente está confusa e esse gosto de saliva.

'preciso de um copo d’água'

Abro a geladeira cheia de vento e duas garrafas de água, encho o copo que estava na quina da pia e bebo...

‘sinto-me um andarilho no deserto’

O som de cada gole descendo pela garganta ecoa numa sonoridade assustadora, olho pros lados, ‘meus óculos!’
Ao lado da cafeteira, flechado por um raio de luz da janela entreaberta..., está embaçado, mas estou melhor assim...
O celular dá sinal de bateria no armário, contorno a mesa... Tropeço nas próprias pernas...

‘9 chamadas não atendidas’
‘domingo 15h23min’

Não sei enfim se perdi dois dias da minha vida ou pela primeira vez aproveitei fazendo absolutamente tudo o que queria...

‘vou dormir um pouco mais... ’

Brisa Vermelha



Sob os sons do silêncio acordou-me a mais leve brisa...

Fez-me frio, fez-me medo..., fez-me sede de obsessão... tocou-me ela com o mais doce sentimento do proibido...

Senti no teu perfume a doçura do veneno, enganei-me com ele no gole da perdição... “fui levado”, perdi a mim mesmo e a meu ideal...

Eu perdi 'lógica’

O doce tornou puro amargo e sua pureza virou meu pecado...

Divino talvez fosse a expressão pro segundo, mas o momento sugeriu ‘voracidade’.

Clamor por silêncio onde o calado tornou-se sinônimo de segurança..., não houve meios, não houve vontade, não houve o porque parar... não parei, não desfiz, não julguei e não fui julgado... mas devia.

A mente viajou, tomou vida e agiu por si, me abandonou nas águas vermelhas do fogo e do som..., me pediu silencio, me pediu abafo, me pediu controle... obedeci ‘menti’.

O calafrio fez-me o acordar da alma, deitou-me no leito do sangue e tapou minha voz..., deixou-me ecoar por mim mesmo quando clamava por liberdade amando a prisão do momento... me prendi, me prendi, me prendi...

Fui libertado... jogado pelos céus e emaranhado pelos anjos, deitei-me junto ao coração que me fez bater, senti o pulso da alma nos olhos e olhei... podia dizer que ainda estava vivo...

Podia ainda dizer que teria sobrevivido ao gole do desejo... e aos efeitos do pecado...

Obviedades Incertas





...definitivamente o fim do tempo que tanto temia já se passou há muito tempo.

Quando não se tem mais apegos sólidos, não se tem mais apegos ilusórios..., a mente decai por uma planície de bocejos vazios sem visão de futuro e sobrevive apenas em uma única indagação que consiste em saber o momento exato em que tudo acaba.
Começa a parecer uma atitude pretensiosa dar uma “mãozinha” pra que o fim chegue..., até a hora em que a mente titubeia. As dores da certeza que pairam sobre o peito agora são mais instáveis que os giros incertos de uma dançarina sobre seus próprios pés...

..., as pessoas conseguem sanar sempre “quase” todas as dores.

Como se tudo fosse insólito, como se toda aquela cena fosse pura imaginação, como se talvez nem cena houvesse..., como se talvez tudo fosse fruto de um sonho imerso em neblina tão densa e pegajosa quanto a melodia que viera ao fundo..., tudo sem memórias, apenas som e um sentimento abrasivo de tristeza perante o espaço vazio.

..., haverá enfim o momento em que só se terá o espaço a contemplar.

Então em meio a incerteza da obviedade se tem sussurros de lucidez..., algumas coisas que nem sempre fazem sentido são postas como uma mistura em equilíbrio delicado de ternura e dor que fere gradualmente a cada pensamento correto sobre a realidade...
... a verdade é que agora estou só...